Sente-se à vontade no sofá, pegue a pipoca, talvez uma taça de um bom vinho, se você gostar, e por fim, mas não menos importante, afaste qualquer pré-julgamento que você possa ter sobre o tema “Psicodélicos”, para embarcar numa série-documentário que realmente pode lhe trazer aprendizados sobre a história do uso medicinal do LSD, Psilocibina, MDMA e Mescalina, sobretudo na psiquiatria. E mais, sobre como a contracultura infelizmente se apossou da ideia, levando à demonização de todas as pesquisas médicas sérias que estavam em curso, até que a partir dos anos 2000 muitos cientistas recomeçaram tais pesquisas científicas sobre estes psicodélicos.Trata-se de 4 episódios, cada um sobre um psicodélico, sendo que o primeiro trata do LSD.
1º episódio: LSD
De início, é bom avisar que uma das primeiras cenas do episódio, com Michael Pollan (escritor do livro com o mesmo título, professor e jornalista de 65 anos que também narra a série) inalando tabaco puro num ritual com uma “terapeuta alternativa” não dá o tom ao documentário, mesmo porque se fosse isso, a gente nem indicaria esta minissérie, por achar a cena até meio “boba”.
Enfim, este primeiro episódio mostra inicialmente um estudo que está sendo feito atualmente em um hospital suíço, com voluntários aos quais é dada uma dose pequena em um ambiente hospitalar controlado. Um destes voluntários então relata sua experiência de alteração da consciência e mesmo regressão e ressalta a importância de trabalhar com experiências esquecidas, que podem estar influenciando a sua vida sem você saber.,
Foi aliás na Suíça, ao final dos anos 40 que foi criado o LSD, quando o químico suíço Dr. Albert Hofmann acidentalmente descobriu a substância química enquanto estudava com outros cientistas a criação de um medicamento para uso de mulheres após o parto, nos laboratórios da SANDOZ. No documentário, o próprio químico dá o seu depoimento como foi a sua experiência pessoal transformadora com o LSD.
O documentário segue então explicando como as pesquisas nos anos 60 fugiram do laboratório e deram origem a todo o estigma que ainda hoje o tema carrega.
Neste contexto, afirma-se que a Sandoz não sabia o que fazer com aquela substância psicoativa, pelo que então desenvolveu um programa de pesquisa e desenvolvimento de código aberto, passando a fornecê-la de graça e sem limite de quantidade, aos pesquisadores e psicoterapeutas, gerando um intenso período de pesquisa na década de 50.
De fato, no período de 1950-65 houve milhares de artigos científicos sobre psicodélicos, com 40.000 pessoas sendo estudadas, com ótimos resultados, inclusive relatos de cura do alcoolismo.
Foi inclusive um destes pesquisadores, o psiquiatra Humphry Osmond, que morava no Canadá, que deu o nome de “psicodélico” ao LSD, após troca de correspondência com o escritor Aldous Huxley que era seu amigo.
Houve também outro pesquisador, o Dr. Timothy Leary, psicólogo professor de Harvard, que fazia pesquisas com outro professor, Richard Alpert, tanto com LSD quanto com Psilocibina, porém seus experimentos começaram a ficar, segundo o informado, sem controle, e ambos os professores foram então demitidos de Harvard e o Dr. Leary ainda ficou conhecido como um dos principais responsáveis pelo vazamento das pesquisas, tendo propagado para o público em geral os psicodélicos. ,
Isto aliás nunca foi negado por ele, que achava que os psicodélicos deveriam ser utilizados por todos, e inclusive misturados à água disponibilizada nas torneiras.
O fato é que não foi só ele o único a vazar a substância dos ambientes acadêmicos. Houve outros vazamentos por exemplo aquele decorrente de experiências da CIA que estava conduzindo seu próprio programa de pesquisa, fazendo experimentos com soldados, ministrando LSD em hospitais de veteranos em estudos realizados junto com a Universidade de Stanford. Foi quando um dos voluntários, o escritor Ken Kensey (no documentário chamado de “o homem errado, no lugar errado”) criou a “revolta das cobaias” : distribuiu em larga escala o LSD e fez uma série de testes com o ácido em milhares de jovens da Bay Area em São Francisco – e aí então foi o “liberou geral”.
Mas o fato é que a partir dos anos 2000 a Suíça retomou a pesquisa com o LSD e, mais uma vez, foi decisivo o papel do Dr. Albert Hoffmann (o criador da substância).,
Com efeito, em 2006 Albert Hoffmann fez 100 anos e ao final de uma conferência realizada em Oslo, houve uma carta aberta de diversos cientistas pedindo para reabrir as pesquisas, mas o único país que o fez foi a Suíça, autorizando assim que fossem retomadas as pesquisas.
Neste contexto então é que surgem relatos muito interessantes e que demonstram a necessidade de tratar com seriedade estas pesquisas, como o de uma paciente idosa com câncer, super católica, que passou a ter outra experiência de menor ansiedade e aceitação com a morte, após o uso terapêutico do LSD, quando se voluntariou para um estudo.
É o caso também do depoimento de um homem adulto com dores de cabeça crônicas diárias insuportáveis e paralisantes, que pensava em suicidar, mas que relata que após o uso, pelo menos passou a ter dias sem as dores, mudando assim completamente a sua vida.
2º episódio: Psilocibina
A Psilocibina produzida a partir dos denominados “cogumelos mágicos” foi descoberta pelo resto do mundo quando do encontro, em 1955, de um banqueiro da JP MORGAN com a curandeira mexicana Maria Sabina. Ele chegou a este encontro em razão de sua mulher ser uma estudiosa dos cogumelos. Daí então ele levou a substância para os EUA, o que, para Maria Sabina, foi sua desgraça pois a partir da popularização e diga-se, desvirtuamento do caráter sagrado do uso dos cogumelos, seu povo lhe virou as costas, acusando-a de traidora, e ela morreu na miséria.
Michael Pollan coloca uma questão muito interessante que é como uma única substância poderia ser utilizada para tantos transtornos diferentes como depressão, TOC e ansiedade, mas aí sublinha que talvez devêssemos encarar todos estes transtornos partindo de um só lugar. É aí que o sentido do uso da substância aparece, pois na realidade, a Psilocibina vai atingir não os sintomas peculiares de cada um destes transtornos, mas a causa primária deles, estando aí o seu diferencial.
De fato, como afirma um dos psiquiatras responsáveis pelos testes clínicos:
“Na pesquisa de saúde mental, as pessoas estão cada vez mais percebendo que as categorias de diagnóstico na realidade se sobrepõem
Ao final deste episódio, o que merece ser efetivamente ressaltado é que dos estudos se pode concluir que o uso da Psilocibina trouxe para inúmeros pacientes mudanças de humor, atitudes e comportamentos que duraram por mais de um ano, sendo estes resultados até raros quando se fala em medicamentos convencionais.
A CamposHumana por fim tem o orgulho de ter comentado em nosso blog, com minúcias, no ano passado um destes estudos, o do Prof. Roland Griffiths, de 2000, que foi um dos pioneiros no uso da substância para casos de depressão. Segue o link sobre a matéria de 2021 que fizemos em nosso blog: https://camposhumana.com.br/psilocibina/
3º episódio: MDMA
Este é o episódio em que é mais importante descartar nossos pré-julgamentos antes de assistir, para podermos tirar nossas próprias conclusões: o MDMA é o famoso ecstasy, o que certamente leva a um estranhamento inicial, afinal a gente pensa que se trata de uma droga utilizada em baladas.sabe
O documentário, porém, explica bem didaticamente a origem da substância e o caminho das pesquisas, de forma que no decorrer do episódio é inevitável concluir que a realidade do uso médico do MDMA é outra.,
Demonstra-se então que tal psicodélico foi inicialmente patenteado pela Merck que não sabia muito bem o que fazer com aquilo e distribuiu o material para pesquisas em diversas partes do mundo. Entretanto, uma pessoa que participava dos estudos psiquiátricos resolveu renomear a substância como ecstasy e o introduziu nas baladas noturnas.
Também contribuiu muito para a classificação do MDMA como substância ilícita, classe 1, nos EUA – informa o documentário – o fato de que, em 2001 um determinado estudo médico ter feito uma ressonância magnética do cérebro de uma mulher que parecia com inúmeros buracos, apontando a causa como sendo o uso do MDMA.
Tal estudo foi mostrado na TV da época, em canais de grande audiência como a MTV e no programa da Oprah. Ocorre que além de a imagem ser manipulada, se apurou posteriormente que a mulher relatada não havia utilizado MDMA, e sim metanfetamina, de maneira que o próprio autor desta pesquisa, um famoso cientista do John Hopkins teve que se retratar – mas aí o estrago já tinha sido feito e o preconceito reforçado.
O fato é que o MDMA é uma substância química com um princípio diferente dos outros psicodélicos. De forma simplificada, é uma enxurrada de serotonina que leva à ideia de “amor a todos”. Incrivelmente, a experiência em testes (sempre utilizando de sessões de psicoterapia e acompanhamento durante o uso, de dois profissionais) vem tendo resultados importantíssimos com pacientes com Transtorno de Stress Pós- Traumático (TEPT). É relevante, inclusive, mencionar o sucesso do seu uso com soldados estadunidenses que retornaram devastados dos combates no Iraque e outras guerras e com mulheres vítimas de estupro e agressão sexual que durante anos não conseguiram apagar os traumas de suas mentes.
Em outro relato muito interessante, um psiquiatra afirma que seus pacientes viciados em álcool e opiáceos de 30, 40 e 50 anos eram as mesmas crianças de 4 a 6 anos abusadas que havia tratado no passado, concluindo então que o trauma era a base de muitos vícios, sendo ele a questão a ser tratada. Neste momento então pensou que se o MDMA funcionava para o TEPT, deveria funcionar para o vício, e teve bons resultados com isso. Esclarece também este psiquiatra que em 50% dos casos uma terapia consegue resolver o problema, mas para os outros 50% não, daí a importância do MDMA.
Por fim, o importante a saber em relação aos estudos com MDMA nos EUA, é que eles já estão na fase 3 (se lembram daquela história da fase 3 das vacinas da COVID-19?? Pois é!) e já comprovaram que 2/3 das pessoas com Síndrome do Stress Pós-Traumático que participaram do estudo passaram a não ser mais qualificadas como tendo tal transtorno.
Resultados realmente alentadores.
4º episódio: Mescalina
O último episódio trata da Mescalina, obtida a partir de um cacto chamado Peyote, encontrado sobretudo na região do Rio Grande, no México, nos EUA e também nos Andes, onde é denominado Cato San Pedro.
O interessante desta substância é que nos EUA é permitido até plantar o cacto em casa, o que não se permite é a produção da Mescalina.
Em breve síntese, o episódio relata sobretudo a história dos indígenas norte-americanos que sofreram perseguição pelo uso do Peyote em seus rituais, chegando inclusive a serem proibidos de fazê-lo pela Suprema Corte.
Podemos concluir que sua utilização ainda se dá basicamente em rituais ndígenas, não sendo permitida até o presente a filmagem destas cerimônias.i
Há, porém, a notícia de que a Mescalina foi utilizada para curar a adição em drogas, mas, ao que parece, muito ainda há que ser estudado para saber o uso prático desta substância na psiquiatria.
Para pensar:
Enfim, o conteúdo deste documentário, dividido em quatro episódios, pode ser uma informação realmente importante para famílias cujos entes queridos possam estar lidando com os mais diversos transtornos mentais, sem obter melhoras com os medicamentos tradicionais.
De qualquer forma, fica a advertência contida no próprio documentário:
“A série a seguir foi criada para entreter e informar, não para dar conselhos médicos”
É enfim também este o nosso objetivo com a presente resenha.
Vale a pena, por fim, repetir o conselho ligado ao bom-senso também contido na série: “Consulte seu médico para cuidar da saúde ou antes de iniciar tratamentos”, caso alguém esqueça dele ao ver o conteúdo aqui tratado!