Nosso espaço deProtagonismo e Pertencimento

Quem decide se você é uma boa mãe ou não?

1- A história de Maya:

Este misto de filme e documentário da Netflix conta a história de Maya, uma típica menina norte-americana loirinha, sorridente, na faixa dos 7/8 anos, que tem uma típica família em que nada falta, uma mãe enfermeira e um pai amoroso aposentado. 

Ocorre que, do nada essa menina, na infância, começa a ter febre, dores abdominais lancinantes, hipotonia, seus pés viram para dentro, ela fica prostrada e a família começa um périplo por médicos, passando por mais de 8 profissionais médicos que não chegavam a um diagnóstico para aquele sofrimento, até que, ao chegar num médico específico, este dá o diagnóstico de SDRC, em português “Distrofia simpático-reflexa e causalgia” uma doença neurológica rara.

2- Uma jornada em busca de diagnóstico e tratamentos:

Em meio a muita dor, enfim aquele profissional prescreveu a Cetamina, um novo tipo de substância sobre o qual não há ainda um consenso médico e indicou à família fazer um tratamento no México.

Para os que acham estranho esse encaminhamento para tratamento em outro país, vale ressaltar que tal conselho não é nada inédito, já que há inclusive um turismo médico crescendo muito entre EUA e México, pois os planos de saúde do primeiro país não cobrem muitas coisas e não são acessíveis a todos além de uma saúde pública para todos não existir.

Quanto à cetamina, trata-se de um tratamento que já conta com muitos estudos científicos nos EUA que indicam ótimos resultados no tratamento por exemplo na depressão crônica e outras doenças, no entanto, no caso desta menina, um dos pontos muito criticados pelos médicos que a atenderam depois, foi o fato de o médico ter prescrito doses muito altas desta substância.

O fato é que nessa ocasião Maya começou o tratamento com cetamina (substância sobre a qual também falaremos mais detalhadamente em uma próxima matéria em nosso blog), após sua mãe, que é enfermeira, ter feito muitas pesquisas na internet para se informar sobre a doença rara de sua filha.

Nessa oportunidade ela apresentou melhoras, sem dores por um bom tempo até que na ocasião de um furacão na Flórida, onde morava a família, teve uma crise muito forte e como não havia mais cetamina disponível, foi para o conceituadíssimo hospital pediátrico John Hopkins.

3- O início de uma jornada que deixa o espectador indignado:

Ocorre que neste renomado hospital, os médicos foram totalmente contrários ao tratamento anteriormente dado à Maya, discutiram com a mãe da paciente que continuava afirmando que sua filha tinha uma doença rara para a qual nenhum outro medicamento iria adiantar, mas não foi ouvida e ainda foi tachada de inconveniente e prejudicial ao tratamento da primeira.

4- A perda da guarda da filha:

Aqui então começa um novo sofrimento para a família, pois além de serem contrários ao tratamento ministrado até então, como a mãe era muito impositiva e insistia na sua visão sobre o tratamento, os médicos entenderam que a mesma sofria de Síndrome de Munchausen por procuração e enviou o caso ao Conselho Tutelar que decidiu – pasmem – em tirar a guarda da família! Uma loucura!!!

obs: para entender o que é Síndrome de Munchausen, vejam nossa resenha do filme “A Nona Vida de Louis Drax”) neste link: https://camposhumana.com.br/filme-a-nona-vida-de-louis-drax/

Como pode a busca de uma mãe pelo melhor tratamento médico para sua filha levar a uma medida tão drástica?? É o que o espectador fica se perguntando boquiaberto, vendo o filme!

A situação toma rumos tão inesperados que chegou ao ponto de cercearem até o contato telefônico da mãe com a filha por “comportamento inadequado”.

Enfim, o sofrimento desta família e, por sua vez, da Maya que ficou internada (a nosso ver em um tipo de cárcere médico) durou uma eternidade, ao ponto de ela totalizar 63 dias internada e 87 dias sob a custódia do Estado.

5- Um caso que estranhamente não era o único:

Não bastasse esta história, que não tem como não deixar o espectador revoltado ao ver o desenrolar do caso, foi posteriormente apurado que este não foi um caso único. Houve a perda da guarda dos pais em muitos outros casos semelhantes nos quais os familiares lutavam para buscar os melhores tratamentos médicos para seus filhos e em todos os casos sempre havia um dado inquietante em comum: sempre foi a mesma profissional, um tipo de Conselheira tutelar de lá que opinou por este tipo de medida!! 

6- O fim trágico de uma mãe que lutou pela saúde da filha:

A história então se encerrou, infelizmente, de forma muito trágica para a mãe. Não aguentando viver sem ter o contato com sua filha, sendo execrada como mãe e levando a vida sem propósito, Beata se enforcou na garagem e a família (desnecessário dizer), após estas duas tragédias, não conseguiu se recuperar. 

A gente consegue se colocar absolutamente no lugar desta mãe e dá quase para sentir no nosso coração a sua dor.

Muitas pessoas que assistiram este filme disseram que ficaram emocionados e choraram muito. Já a gente aqui nem chorou. Ira e revolta descrevem bem o nosso sentimento durante toda a película, principalmente na cena em que se noticia que o juiz do caso negou que a mãe pudesse dar um único abraço em filha, durante a sessão no tribunal.

Um abraço!!! Era só o que esta mãe pedia! E isto lhe foi negado e como ocorre com muitas pessoas, nas mais diversas situações, este foi um gatilho, um divisor de águas para aquela mãe que concluiu que não valia mais a pena viver.Não há mesmo como não se envolver emocionalmente nesta história e cada cena que se sucede aumenta nosso incômodo como seres humanos. E certamente para os que são profissionais do direito. Isso porque a mãe escreveu uma carta de despedida para o juiz responsabilizando-o por isso. 

7- O papel da justiça que precisa ser repensado:

Aliás, esta parte específica do filme, acreditamos, deveria ser assistida, com várias pausas, por juízes, advogados e promotores de justiça, para que possam refletir sobre o quanto de suas humanidades estão realmente em jogo quando exercitam seus juízos subjetivos nas causas em que atuam!!

De qualquer forma, por qualquer ângulo que se veja o caso, eu sinceramente não gostaria de estar na pele desse Juiz Lee E. Hawort (nome informado no filme) e acho sinceramente que ele nunca mais deve ter dormido serenamente, recostando o rosto na fronha de seu travesseiro de fios egípcios.

Mas enfim, além de questionar o papel de cada um nesta tragédia, o 

documentário continua destrinchando a vida da família depois da morte da Beata, quando seus membros decidiram processar o governo e o Hospital John Hopkins.

Começa aí então outra parte dramática: a da morosidade da justiça e a do jogo de poder detestável.

É inacreditável verificar que, até a época da realização do documentário, passados 4 anos após a morte de Beata, a ação indenizatória iniciada pela família ainda não tinha sido julgada, havendo sucessivos adiamentos inexplicáveis, aumentando cada vez mais a sensação de impunidade da família. 

8- A perpetuação do sofrimento da família:

Foram em síntese sofrimentos constantes, uma mãe morta, filhos deixados órfãos do carinho materno e 92 dias sob guarda do Estado, até que Maya enfim voltou ao convívio de seu pai e seu irmão, e curioso é o fato de que no próprio tribunal o pai apresentou o laudo feito por outro especialista que enfim confirmou o mesmo diagnóstico de SDRC trazido pelo médico que tratou a menina. Diagnóstico este que sempre foi negado pelos médicos do Hosptial John Hopkins e utilizado como um dos motivos para levar à perda da guarda pelos pais. 

No mais, ainda que Maya tenha regressado à sua família, ela comenta algo que nunca pôde perdoar do sistema judiciário: não lhe ter sido dado o direito de se despedir de sua mãe.

Além enfim desta mágoa para a qual dificilmente haverá perdão, ela ainda ficou proibida de fazer tratamento com cetamina, gerando-lhe assim também a punição injustificada de ter que conviver com as dores que continuaram, apesar de uma melhora geral do quadro.

9- A investigação de uma repórter confirma o equívoco das medidas de perda de guarda:

Paralelamente à história da família de Maya, no filme/documentário é mostrada igualmente a investigação feita por uma repórter que, em 2019, começa a investigar o caso desta família e descobre as surpreendentes histórias de dezenas de outras da Flórida que tiveram destinos semelhantes. Eram famílias que procuraram emergências para cuidarem de seus filhos e acabaram simplesmente acusados de abusos. E em comum em todos estes casos uma estranha coincidência:  Sally Smith (a conselheira tutelar) e o hospital Johns Hopkins.

Em relação a estes fatos, a conduta da família foi a de processar o governo e o Hospital Johns Hopkins, pois segundo o pai “nada muda se você ficar quieto. Vamos processar o hospital Johns Hopkins”.  

Por outro lado, a grande maioria das famílias que passaram pelo mesmo dilema e sofrimento desistiram frente à grande corporação hospitalar e o Estado. 

Com efeito, a maioria dos pais não entrou na causa, preferindo um Case Plan (plano de caso) fazendo um tipo de acordo para obter o que realmente importante para eles, ou seja, reaver seus filhos, já que não tinham dinheiro para contratar um advogado, e desta forma, infelizmente isentaram o hospital de responsabilidade.

Conclusão:

Em síntese, a trama ainda que trazida sob a forma de um documentário, choca, escandaliza, atinge o nosso profundo sentimento enquanto mães e por fim nos faz questionar a conduta médica e legal de uma instituição como a Johns Hopkins que entendíamos imune a erros tão desastrosos como os ocorridos com diversas famílias da Flórida, mas enfim, como tudo na vida, o filme nos trouxe também a lição de que é preciso sempre questionar tudo e não engessar qualquer instituição sob a justificativa de um reconhecimento de uma excelência reconhecida unanimemente, sejam médicos ou de outra indústria qualquer. 

Plataforma: Netflix

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