Este filme recém-lançado na Netflix pode ter passado despercebido, mas é uma aula sobre a dimensão do drama humano e sobre a disfuncionalidade de uma família em que crianças têm que aprender cedo a lidar com um pai alcoólatra cheio de altos e baixos.
1- O enredo:
Trata-se da história real de uma jornalista filha de um alcóolatra e de uma mãe que por sua vez parece não enxergar a realidade, por mais evidente que possa ser.
O que se questiona nesta película sensível e densa – que não deixa o espectador tirar os olhos da tela um minuto, querendo adivinhar quando as coisas se tornarão diferentes – é sobretudo o que significa ser filha de um alcóolatra que vive mudando de cidade em cidade com filhos (duas meninas e um menino) totalmente negligenciados em termos de cuidados básicos.
É relatado durante a história que o pai tem que fugir de cobradores, sendo esta a razão de suas constantes mudanças.
Por outro lado, o que não é jamais justificado (e não tem mesmo justificativa) é porque apesar de amar seus filhos (a gente presume isso, por mais que seja difícil “engolir” sem raiva este papel paterno) ele sempre tem um discurso que desqualifica facilmente toda colocação das crianças que confronte suas fantasias.
Chega um ponto em que as crianças não têm o que comer, mas ele, sem o menor remorso, vai para a rua beber, enquanto a mãe enxerga este comportamento, mas nunca chega a ter coragem para sair desta relação abusiva.
2- Uma história de abuso psicológico:
É aquele tipo de abuso que não tem violência física para os filhos, mas cada ato guarda um quê de tortura psicológica, que é o que mais nos deixa com raiva do personagem.
Não é à toa que a protagonista do filme, que depois vira adulta, vai se tornar uma mulher insegura de suas escolhas e escolhe se casar com um homem que é totalmente indiferente às suas necessidades, e na verdade é outro tolo. Freud explica!!!
3- A história de alcoolismo do pai:
A interpretação da menina que faz a jornalista quando pequena é simplesmente magistral e não há como permanecer indiferente quando se ouve uma menina de menos de 12 anos falar com seu pai:
– Pai, para de beber! Quando você bebe, não consegue cuidar da gente!!!
É igualmente de cortar o coração a cena em que o pai decide parar de beber, se prende numa cama e implora que lhe deem bebida e dizer à sua filha, quando em crise de abstinência, que ele iria morrer se não bebesse, logo, ela deveria fazer algo, lhe dar bebida pois era da sua responsabilidade fazer algo.
É muita responsabilidade para uma criança!!!
4- Uma mãe dissociada da realidade:
Outra indagação que o filme traz é o porquê de a mãe da criança viver em um mundo de fantasia à parte, ao ponto de não enxergar que seus filhos estão sofrendo, e não sair daquela relação. A resposta talvez seja o poder invisível que um pai abusador tem sobre toda a dinâmica familiar. Ele nem precisa usar de violência física, porque emocionalmente ele já aniquilou a mulher e, de fato, há uma probabilidade enorme de as filhas irem no mesmo caminho.
5- A construção do futuro possível dos filhos:
Felizmente, as meninas e o menino crescem, e, com sequelas ou não, conseguem sair das amarras deste abusador, embora se prestarmos atenção à vida adulta de todos eles, há sérios indícios de que carregaram para suas vidas muito daquilo que os fizeram sofrer na infância.
6- Contradições dos sentimentos do espectador ante o quadro sombrio:
Talvez valha trazer a advertência de que não é um filme simplista durante o qual ficamos com raiva o tempo todo do abusador e ponto final. Não! O genial do filme é que a gente horas se sente até meio vítima daquele pai, e em outras horas chega até a tentar justificar suas condutas, em alguns momentos.
A nosso ver, isto é uma das coisas mais assustadores deste filme: Nos sentirmos mais do que espectadores, e nos enxergar como parte daquela família, enredados nesta dinâmica sufocante.
Fica a dica:
Meninas e mulheres, olhem com muita atenção para vocês não caírem nunca numa relação assim. É o que desejamos de coração a todas.
Bom filme a todos e todas!