Nos últimos dias 23 e 24 de junho, a CamposHumana esteve presente no VI Congresso Internacional: Novas Abordagens em Saúde Mental – IPUB/UFRJ, organizado pelo CENAT e realizado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ no Rio de Janeiro, com uma enorme expectativa, afinal os temas abordados se relacionavam a novas abordagens terapêuticas em saúde mental e a programação estava a cargo de respeitadíssimos cientistas, estudiosos da área de psicologia e psiquiatria e outras áreas da saúde.
E de fato, todos esses profissionais nos brindaram com painéis de muito conhecimento e alto nível acadêmico, o que fez com que a nossa expectativa fosse mais do que alcançada.
A nossa CEO, Fernanda Campos, mergulhou nesse evento de dois dias, em cujas palestras foram abordados temas por exemplo como a esquizofrenia, mais especificamente em busca de novas abordagens para os pacientes que ouvem vozes, com Paul Baker, que defende novas formas de enxergar esse sintoma, com menos tabu e mais acolhimento.
Também se discutiu no evento a ética do sujeito na saúde mental, com o professor e psicólogo da UNB Dr. Daniel Goulart da UnB, e ainda sobre a organização de grupos de apoio mútuo como forma de empoderamento de familiares e usuários com o Prof. Dr. Eduardo Mourão.
Além deles, houve ainda debates Saúde Mental e Justiça Social com a Dra. Rosana Onocko da UNICAMP e a Saúde Mental Comunitária em contextos de violência e vulnerabilidade, por parte do Dr. Omar Bravo, da Colômbia, dentre outros.
Foram tanto os ensinamentos que fica até difícil dissecar tantos temas para revelar a vocês tudo que foi tratado, mas vamos então a seguir tentar fazê-lo da forma mais didática possível, em relação aos temas que reputamos mais relacionados às nossas vivências de famílias TRIMS.
As palestras de Paul Baker “Novos olhares em Saúde Mental: Experiências Internacionais” e “Os benefícios das abordagens comunitárias na saúde mental: Grupo de ouvidores vozes”.
Em duas palestras em horários distintos, o inglês Paul Baker representou realmente um aprendizado à parte.
Falou ele sobre a iniciativa “Ouvidores de Vozes” destinada a pacientes com Esquizofrenia, explicando que seu entendimento é no sentido de focar em ouvir o paciente em não o medicar, pois o mesmo não pode ser visto só como um sujeito de medicalização.
Para nós, pelo menos, sua fala representou uma nova visão (sobre o paciente com esquizofrenia) e acreditamos que as famílias também podem aprender muito com esta nova abordagem e ajudar seu familiar a avançar no tratamento.
E, para ajudar neste objetivo, trazemos em seguida o link da fala deste sensacional profissional que ensina que devemos sobretudo tentar fazer com que o paciente aprenda a conviver com as vozes e não tentar (muitas vezes sem sucesso e com graves prejuízos) que ele pare de ouvir vozes. https://youtu.be/wKdcdjuAbHk
Vale ressaltar que a sua proposta não é uma tese pessoal dissociada de qualquer aceitação no mundo acadêmico. Ao contrário, este sociólogo inglês, além de ser irmão de um paciente adulto com esquizofrenia, é Secretário na Internacional Mental Health Collaborating Network (IMHCN), coordenador de mídias sociais da Intervoice e um dos fundadores da Intervoice no Reino Unido e que desenvolveu projetos na área da saúde mental em Trieste (Itália), Servia, Croácia, Inglaterra e País de Gales, logo, com vasta experiência.
Especialmente aquelas famílias com entes queridos que tenham esquizofrenia, sugerimos dar uma boa analisada no que ele tem a dizer e procurar saber mais sobre estas novas abordagens da Intervoice e do Movimento Ouvidores de Vozes que também funciona no Brasil.
Palestra do Dr. Daniel Goulart: Da patologização ao desenvolvimento subjetivo: Caminhos para uma ética do sujeito na saúde mental
O Dr. Daniel Goulart é Psicólogo, Professor Adjunto de Psicologia da Educação do Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e Doutor e Mestre em Educação pela mesma instituição de ensino, com período sanduíche no Discourse Unit (Manchester, Reino Unidos/CAPES e Bacharel Especial em Pesquisa pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).
Individualização X Sociologização
Sua palestra foi maravilhosa, a nosso ver principalmente em seu alerta para o risco que corremos, quando falamos em saúde mental hoje no Brasil, entre duas visões radicais que não nos fazem caminhar melhor: a da individualização e da sociologização.
A primeira está ligada à questão da patologização da vida diária, pois é preciso reconhecer que estamos receitando medicamento para tudo e diagnosticando sofrimentos inerentes às dificuldades que qualquer ser humano pode passar como transtornos.
Para ilustrar sua colocação, trouxe os resultados de uma pesquisa sobre Transtorno do déficit de Atenção e Hiperatividade no Brasil, trazendo dados assustadores quanto ao consumo de medicamentos, pois o Brasil é o segundo mercado mundial de metilfenidato e houve um aumento de 773% no consumo de metilfenidato entre 1996 e 2013.
São realmente dados alarmantes.
Já a segunda visão está ligada a uma tendência que há entre certos profissionais de saúde mental de achar que todos os transtornos mentais estão relacionados exclusivamente e diretamente a questão identitária e social, quando esta visão única não se sustenta.
De fato, concordamos com as duas advertências dele pois temos visto aqui na CamposHumana quanto o número de famílias com o diagnóstico de TODA/TDAH tem aumentado, e, paralelamente, não fazemos qualquer diferenciação em relação à origem social ou outra qualquer de uma mãe, pois sabemos que seu sofrimento, diante das dificuldades criadas pelo quadro médico de seu filho não pode ser mensurado por aqueles fatores.
Trata-se de uma dor pessoal e a dor de uma mãe em relação a outra não pode ser comparada sob tais parâmetros.
Grupos de Ajuda Mútua como instrumento de Empoderamento para Familiares e Usuários/as
Foi na palestra do do Dr. Eduardo Mourão (UFRJ), coordenadores dos serviços de saúde mental do município do Rio de Janeiro e inclusive familiares de pacientes, que ouvimos, neste evento, pela primeira vez a palavra família como parte do tratamento dos pacientes, o que nos causou uma certa estranheza quanto à rara menção ao termo no meio acadêmico.
Estranhamos porque realmente acreditamos que é ela o verdadeiro termômetro das patologias dos filhos, a de saúde mental e aquelas que precisa estar realmente informada sobre o tratamento.
Mas enfim, ao menos neste terceiro momento, vimos as famílias tratadas como realmente devem ser, ou seja, como protagonistas de uma história, e não simples testemunhas para falar aos médicos como estão seus filhos.
Neste contexto então, tomamos conhecimento de que no Município do Rio de Janeiro, bem como em outros alguns municípios do estado, na rede pública de saúde, há grupos de apoio estruturados, com equipes multidisciplinares, com vários serviços diferenciados, sobre os quais nãos tivemos muito tempo para procurar indagar sobre suas dinâmicas.
De qualquer forma, embora não tenhamos obtido mais dados quanto a seu funcionamento, prometemos que iremos pesquisar mais sobre o tema, se nossos membros manifestarem esse desejo. Podem confiar!
Houve, por fim, alguns relatos de mães muito comoventes, que nos impulsionam, nos encorajam a continuar nesta missão da CamposHumana, embora haja momentos, como ocorre com qualquer um, em que a gente se sente cansados e desanimados, mas, bora lá!!!
Após o fim deste evento, vale trazer aqui uma informação que, estamos certos, renderá muito mais informação à nossa comunidade, qual seja, a de que após nossa participação na palestra, o próprio Dr. Eduardo Mourão convidou nossa CEO para estar presente a um dos eventos de grupos de apoio que ele coordena, logo, como há muito tempo vínhamos tentando fazer este contato com esse seleto grupo de profissionais da saúde do IPUB, podem ter certeza de que este convite renderá frutos: em breve teremos muito mais aprendizado para compartilhar.
Concluímos enfim as anotações sobre este evento, deixando um recado para você mãe TRIM: fique ligada nos temas aqui abordados, pois pode ser que, senão hoje, mas amanhã você pode perceber que eles podem ter relevância para você, ou para uma outra mãe com a qual queira compartilhar.
Por último mas não menos importante, deixamos com vocês as imagens que constavam do rol de entrada do congresso e que bem resumem o evento, falando por si só.