Depressão, autolesões e ideação suicida entre crianças e jovens
Em 2023 em nosso blog trouxemos, em mais de um post, nossas impressões sobre os painéis ocorridos durante o 5º Simpósio SEPIA (Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência) do IPq do HCFMUSP da Faculdade de Medicina, em novembro de 2022.
Como o tema continua atual, trouxemos para cá estas anotações, incluindo o painel ministrado pelo brilhante pesquisador Dr. Mauro Victor de Medeiros Filho, durante o qual foram abordados temas que afligem principalmente aqueles que são pais ou mães de adolescentes, ou seja, a depressão, as autolesões e a questão da ideação suicida dentre estes jovens.
Quais são os maiores fatores de risco que levam à depressão entre crianças e jovens?
Um estudo inglês de 2001 com coortes de 10.000 pacientes, desde crianças do período pré-escolar até jovens com 14 anos de idade, denominado “Two Pathaways to self-harm in adolescence” separou estes pacientes em dois grupos, um de casos graves de depressão e com graves problemas psicológicos e outro sem psicopatologias prévias. Uma das conclusões do estudo foi a de que a regulação emocional preventiva funcionaria como prevenção para o segundo grupo.
Foi também identificado como principal fator de risco para aqueles com 11 anos, no grupo de casos graves, o bullying.
Já para os jovens com 14 anos, que não tinham psicopatologias prévias, o principal fator de risco encontrado foi a baixa estima e o baixo suporte social.
Porque existem casos de crianças e jovens que se autolesionam?
Questionou então o palestrante se a autolesão representava sempre um pedido de ajuda e respondeu que nem sempre. Em realidade, afirmou tratar-se de um marcador de vulnerabilidade do desenvolvimento que poderia ser grave ou não, logo, nem sempre se tratava de um pedido de ajuda, pois às vezes o jovem as utilizava como solução. Em outras palavras o precisar de ajuda é diferente de querer ajuda.
Deu como exemplo de causas diferentes para as autolesões a hipótese daquele jovem que se corta para aumentar sua vivência, para diminuir um sentimento; para ter um ganho em suas relações sociais (por exemplo para que sua mãe fale com ele; se machucar para seu pai não lhe cobrar demais) ; para afastar uma apresentação esportiva.
Estes diferentes objetivos com as autolesões representam então um ganho intrapessoal ou um ganho interpessoal.
Por que adolescentes postam fotos ou vídeos com autolesões?
Em outro estudo mencionado pelo palestrante, de autoria de Rebecca C. Brown et. al, os pesquisadores indagaram por que os adolescentes postariam fotos com autolesões e os principais motivos encontrados foram:
Motivos sociais (60%) – para passar a pertencer a um grupo
Espaço de conexão na vida social
Postam para ser ajudadas
Postam por mimetismo
A rede vira um diário
Reações a autolesões: quanto mais reações, mais têm mais vontade de fazer
Diante de motivações tão diferentes, perguntou-se então o que o terapeuta deveria fazer, e em resposta o psiquiatra advertiu que primeiramente deve-se ter o cuidado de não aumentar o uso interpessoal “construção do repertório”. Em seguida apontou a necessidade de tentar mudar a motivação do paciente (ver como problema ou solução, ver gatilhos, ver motivação) e o foco.
E enfim sugeriu o uso do aplicativo impulse para mapear quando o paciente se machucou e registrar o que ele estava sentido, para então mandar para o terapeuta e por fim sugeriu a construção de um plano de crise.
A realidade do número de suicídios entre entre jovens atualmente no Brasil
O 6º painel ministrado pelo Dr. Marcos C. Croci, psiquiatra do Ambulatório para o Desenvolvimento dos relacionamentos e das Emoções do HCMUSP, teve como tema “O manejo de adolescentes com ideação suicida crônica”.
Trata-se de tema cercado de tabu, ao ponto de que sequer podemos utilizar a palavra suicídio em algumas redes sociais, daí a importância de escutá-lo atentivamente pelas lições de um médico e pesquisador tão claro e objetivo em seu discurso e experiente no tema.
Temos certeza de que este painel pode ser de grande ajuda para mães e pais que estejam passando por essa fase, e talvez mesmo para aqueles que não se deram conta que seus filhos estão passando por este momento delicado e precisam de ajuda.
Para abrir os nossos olhos para o que é esta realidade hoje no Brasil, o palestrante iniciou sua exposição mencionando a advertência feita pelo Ministério da Saúde sobre o aumento preocupante do suicídio de jovens nos últimos 5 anos, representando o suicídio o percentual de 8% das mortes, ou seja, entre 14 a 24 casos entre 100.000. E além disso, o número de tentativa de suicídio entre os jovens é da ordem de 3,1-8% e a ideação seguida de alta hospitalar é de 19,8- 24% dentre os casos de hospitalização nesta faixa etária.
São enfim números alarmantes que devem nos chamar ao questionamento: O que estamos fazendo como adultos para evitar esta tragédia entre nós?
Os novos tratamentos para a depressão entre crianças e jovens
O 7º painel, do Dr. Allyson Eccard, tratou do assunto “Avanços no Tratamento de Depressão em Crianças e Adolescentes” e foi aberto com o tema dos sintomas que caracterizariam a depressão nesta faixa etária, que seriam o baixo humor normativo e a tristeza normativa/incapacidade. Observou no mais que tais sintomas também poderiam ser um marcador para esquizofrenia.
Explicou que a depressão traz um risco três vezes maior para o suicídio jovem e que para haver o diagnóstico devem se mostrar presentes o humor depressivo, a irritabilidade e a diminuição do prazer (hinidonia).
Apesar da gravidade do tema, trouxe o dado alarmante de que, nos EUA, infelizmente 40% dos jovens com depressão estavam sem tratamento, sendo igualmente grande o número em nosso país.
Quanto aos estudos e tratamentos mais recentes para a depressão, salientou o acadêmico:
Um estudo duplo cego, crossover no qual foi administrada uma dose pequena de quetamina aos pacientes concluiu por uma resposta positiva, mas foi um estudo com um número pequeno de pacientes. Pode-se afirmar, porém, que para este tratamento, há alguma evidência, mas sem dados confiáveis.
ECT (Eletroconvulsioterapia): Há mais relatos de casos que estudos científicos, mas feita uma revisão sistêmica em 2022, concluiu-se que a taxa de resposta foi de 51,92. A conclusão é a de que se trata de um método seguro e efetivo para TDM (Transtorno Depressivo Maior) grave segundo estudos contidos no BJP (Brazilian Journal of Psychiatry).
Relatórios de 2022 sobre saúde mental da UNICEF e da WHO fornecem um bom panorama sobre dados relativos a este transtorno pelo mundo.
Uma revisão sistemática de 2022 comprovou que o projeto antibullying nas escolas não deu resultado.
A Psicoterapia com TCC na escola foi efetiva para os sintomáticos, mas em pequena quantidade.
A Intervenção Comunitária (treinar leigos, pares ou outros adolescentes para lidar com a questão se demonstrou no Quênia, uma solução simples, mas eficaz. Foram treinados 413 estudantes para a tarefa e assim se reduziu significativamente os efeitos da depressão. Intervenções digitais: houve sobre o tema uma revisão sistemática em 2018 relativa a estudos de 2010 a 2020. Neste particular, concluiu-se que a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) por meio digital produz efeitos, mas só se houver um supervisor com o aplicativo. São, porém, consideradas plataformas sem evidências científicas. Houve posteriormente 15 estudos que concluíram, da mesma forma, que as interações digitais reduzem a depressão, porém, sempre dependendo da supervisão de um terapeuta.
Aplicativos indicados pelo palestrante: vive teens (mobile app), uplink, Superbetter, Positiva Komeheclan, Battle report, Whyse, OBTT Health, Helping Hand, Ceta Approach, Sati, Onkout, Wehat Jiwa, Neolth, Zvandiri, The Trevor Project.
Seguem aqui alguns destes links para alguns destes aplicativos (em inglês): https://viveyou.com, https://www.superbetter.com,
Terminou assim mais um momento deste simpósio diferenciado da psiquiatria brasileira, com aprendizados que nos dão sempre prazer em compartilhar sobretudo com as famílias TRIMS que tanto carecem de informação qualificada sobre o tema.
Não deixem de ler nossa próxima matéria do blog, no qual falaremos sobre os últimos painéis deste evento, com o tema "Neuromodulação como tratamento nos diversos transtornos de neurodesenvolvimento".