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Essa substância extraída do cogumelo é enfim um tratamento revolucionário ou uma expectativa perigosa?

Recentemente, em dezembro de 2020 e abril de 2021 foram publicados dois artigos da jornalista Zoer Cormier, na revista Scientific American, mostrando o cenário do novo tratamento da depressão e ansiedade com a Psilocibina.

Antes de comentar o conteúdo destes artigos, para leigos que somos, é importante trazer as advertências ali contidas: a Psilocibina, substância encontrada em alguns tipos de cogumelos é considerada, nos Estados Unidos, uma droga ainda não aceita para uso médico, e com grande potencial de dependência. No Brasil, por sua vez, ela é considerada substância ilícita. E o tratamento não é limitado à substancia, sendo uma combinação da droga com sessões de psicoterapia que duram entre 4 e 6 horas, com resultados muito variáveis. Não se trata, portanto, de uma mágica milagrosa.

A cronologia dos estudos médicos com a Psilocibina, de forma bem sucinta, é a seguinte:

A cronologia dos estudos com Psilocibina

  • Nos anos 50 e 60 já se estudava o potencial de benefícios da Psilocibina, do LSD e de outros psicodélicos, até quando eles escaparam dos laboratórios e foram abraçados pela contracultura e enfim em 2006, foi publicado um estudo duplo-cego (que significa que nenhum participante ou pesquisador sabia se o sujeito estava recebendo Psilocibina ou placebo) da Johns Hopkins, no jornal Psychopharmacology, que demonstrou que a Psilocibina deu a voluntários saudáveis “experiências com sustentável e substancial significado” (seja lá o que possa ser isso!!!). Seu autor, Roland Griffiths, afirmou que a diferença entre a Psilocibina e outras drogas que alteram o humor ou farmacêuticas, é sua longevidade e as mudanças de crença que ela pode causar. Como ele diz: “É quase como reprogramar o sistema de um computador”.
  • Dez anos depois, em outro artigo de 2016, do mesmo pesquisador, publicado no mesmo Journal of Psychopharmacology, ele e sua equipe concluíram que mais de 80% dos pacientes com diagnóstico de câncer terminal experimentaram uma “diminuição significativa do estado depressivo e ansiedade, depois da Psilocibina combinada com psicoterapia.

Vale ressaltar que este mesmo pesquisador, atualmente, está liderando o Center for Psychedelic and Consciousness Research at John Hopkins Medicine, que conta com um fundo de 17 milhões de dólares para pesquisa sobre a Psilocibina.

  • Também em 2016, outros pesquisadores norte-americanos publicaram o primeiro estudo demonstrando o potencial da Psilocibina para aliviar “a depressão resistente a tratamento” que não era aliviada com antidepressivos convencionais, enquanto na Inglaterra, pesquisadores ingleses da Imeprial College London descreveram na The Lancet Psychiatry as melhorias notáveis e contínuas em 12 pacientes sofrendo com esta forma de depressão, embora este estudo não tenha incluído um grupo controle (placebo).
  • Em 4 de novembro de 2020, no dia seguinte em que o Estado do Oregon se tornou o primeiro estado a legalizar o uso terapêutico da droga, após votação, foi publicado, do outro lado da costa, os resultados do primeiro estudo controlado randomizado para tratamento de depressão grave com Psilocibina sintética, realizado por pesquisadores da Universidade John Hopkins e publicado no periódico JAMA Psychiatry. Estudo este que concluiu que 71% dos pacientes experimentaram uma “resposta clinicamente significativa” (uma melhoria que durou pelo menos quatro semanas após o tratamento), que 54% preenchiam os critérios para total “remissão da depressão”.
  • Em abril de 2021 foi publicado, no New England Journal of Medicine, estudo do psiquiatra David Natt, do psicólogo Robin Carhart-Harris e de outros pesquisadores do Imperial College London, resultado de um pioneiro ensaio clínico controlado randomizado, que comparou o psicodélico ilícito Psilocibina com um antidepressivo do tipo inibidor seletivo de receptação de serotonina (serotoninérgicos, SSRI).

O estudo médico mais recente

O estudo foi resultado de um ensaio de 6 semanas com 59 participantes, divididos em dois grupos, sendo que todos os participantes sofriam de grave transtorno depressivo.

E assim, o primeiro grupo recebeu uma dose inteira de Psilocibina combinada com psicoterapia, e o outro, doses diárias do SSRI Escitalopram mais duas doses minúsculas de Psilocibina, também com psicoterapia.

No mais, os pesquisadores conseguiram minimizar um possível efeito de desapontamento dos que receberam o Escitalopram e também uma possível sensibilidade maior dos que receberam a Psilocibina, através da estratégia de informar as pessoas em ambos os grupos que eles estavam recebendo a Psilocibina, gerando assim, expectativas equivalentes, além de dar a ambos os grupos a experiência padrão de 4 a 6 horas de sessão de psicoterapia estendida na qual o sujeito era instruído a deitar, quanto estava vendado e ouvia música com um ou dois terapeutas no quarto para suporte.

Além disso, aos participantes do grupo com Psilocibina foi fornecida uma dose de 25 mg do medicamento para o efeito total e àqueles do grupo do Escitalopram foi fornecida uma microdose de 1 mg dessa droga, obviamente sem qualquer efeito psicodélico. E por fim, após a primeira dose, a equipe deu a cada sujeito uma embalagem de pílulas a serem ingeridas diariamente, sendo que o grupo do Escitalopram recebeu o SSRI, enquanto aqueles do grupo da Psilocibina simplesmente recebeu um placebo. E olha os resultados desse estudo, gente:

  1. A Psilocibina igualmente melhorou os sintomas de depressão em uma métricas pré-estabelecida e apresentou menos efeitos colaterais do que o SSRI.
  2. Os pesquisadores usaram uma variedade de métricas para pontuar sintomas depressivos e aplicaram um questionário rápido para auto-avaliação de sintomatologia depressiva, de 16 pontos (QIDS-SR-16) e embora as principais pontuações do questionário não tenham mostrado diferença estatística significante entre os dois grupos, depois de 6 semanas, o fato é que o grupo da Psilocibina mostrou reduções maiores e significantes em suicídio, anedonia (falta de habilidade para sentir prazer) e pontuações psicológicas padrão para depressão conhecidas como MADRS e HAM-D.
  3. Dentro de 16 itens do questionário aplicado, muitas das diferenças foram altamente significantes:
    • 70% das pessoas do grupo da Psilocibina responderam ao tratamento, em comparação com 48% daqueles do grupo do SSRI. E a diferença nas taxas de remissão também foi estatisticamente significante: a taxa no grupo da Psilocibina foi de 57% e 28% no grupo do Escitalopram.

Os críticos

Certo é que os críticos do estudo advertem que o ele foi bastante pequeno e não teve como objetivo explícito mostrar se as drogas eram também comparáveis em outras medidas de bem-estar.

É bom advertir, igualmente, que as experiências podem ser inquietantes, poderosas, confusas e mesmo assustadoras e com resultados variáveis.

De fato, há relatos de participantes do estudo, de um lado, afirmando que o tratamento teria salvado suas vidas, além de outros terem experimentado benefícios permanentes após a conclusão do estudo, porém, outros recaíram em depressão.

Assim é que uma participante do ensaio, de 44 anos, relatou ter se tornado mais depressiva do que jamais, além de ter que lidar com a dificuldade de abandonar a medicação que anteriormente usava.

Porém, ela mesmo revela uma grande conclusão sobre este tratamento: “As pessoas descrevem a terapia psicodélica como 25 anos de terapia numa tarde. E pode parecer assim, mas isso não é uma bala de prata.

Enfim, em que pese o pioneirismo do último estudo acima descrito e da esperança do enorme potencial de uso da Psilocibina no tratamento de diversos transtornos mentais, em realidade a cautela se impõe, pois como afirma Rachel Aidan, terapeuta profissional e CEO do Synthesis Group, centro de retiros de terapia psicodélica, inclusive Psilocibina na Holanda (uma das poucas jurisdições aonde a Psilocibina, na forma de trufas, é legal): “Apesar de nossa excitação com o poder desses compostos, a realidade é que eles não são para qualquer um. Justo agora, nós só precisamos nos render para aprender com a situação no Oregon, e planejar cuidadosamente para o futuro, para que a gente não se apresse em direção à legalização. Não queremos recriar os anos 1960 e a repercussão negativa que se seguiu.” E no mesmo sentido se coloca Grifiths, pesquisador da Johns Hopkins e autor do já referido estudo de 2006 envolvendo a Psilocibina: ” Tenho empatia com as pessoas que estão impacientes, mas nós não queremos chegar a um ponto no qual as pessoas subestimem o potencial de riscos do uso destes componentes. Eles têm efetivamente riscos significativos, tais como pânico, ansiedade e comportamento perigoso”.

Conclusões

Em resumo, afora a cautela que se mostra necessária, para o futuro, as perspectivas são otimistas, se for observada a visão de que, em se falando de transtornos mentais, na realidade, cada pessoa é uma pessoa, e cada solução igualmente é única, em seu sucesso ou não.

Como bem ensina a psicóloga Rosalind Watts, líder do estudo da Psilocibina para a depressão, do Imperial College de Londres. “Isso não é melhor que os antidepressivos – isso é melhor para algumas pessoas. Algumas pessoas ainda vão preferir antidepressivos porque eles são simplesmente mais convenientes. A questão é que faz sentido ter diferentes opiniões, e entendermos que há diferentes coisas que funcionam para diferentes pessoas em diferentes tempos”.

De qualquer forma, para o futuro que já é hoje, os pesquisadores da Johns Hopkins e do Imperial College já planejam mais estudos com Psilocibina para uma gama de condições difíceis de serem tratadas, na esperança de se aproveitar da habilidade da droga de “desbloquear” as pessoas por meio do deslocamento de perspectivas; catalização de insights; mudança de culturas e comportamentos habituais problemáticos, e enquanto isso estudos sobre anorexia, transtorno obsessivo-compulsivo, interrupção do fumo, vício em opiáceos e transtorno de stress pós-traumático já estão construção.

Fonte: Revista Scientific American – edições de 1º de dezembro de 202 2 15 de abril de 2021.

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