No recente artigo America Has Reached Peak Therapy. Why Is Our Mental Health Getting Worse? (“Os EUA atingiram o ápice de número de terapias. Por que nossa saúde mental está piorando?”), da revista Time Magazine, de 28/08/2023, escrito por Jamie Ducharme, questionam-se as razões pelas quais apesar de os EUA terem atingido o ápice do número de pessoas que fazem terapia, a saúde mental só está piorando.
I – A SAÚDE MENTAL EM CRISE NOS EUA E NO BRASIL:
Confirmam os dados desta piora estudos que indicam que lá um em cada oito adultos atualmente toma algum antidepressivo e um em cada cinco recebeu recentemente algum tipo de cuidado de saúde mental: um aumento de quase 15 milhões de pessoas em tratamento desde 2002. Além disso, recentemente – de 2019 a 2022 – o uso de serviços de saúde mental saltou quase 40% entre milhões de adultos com plano de saúde, de acordo com um estudo recente no JAMA Health Forum.
No Brasil, por sua vez, segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), no ano de 2021, foram registradas 37 milhões de consultas, sessões e internações relacionadas à saúde mental, sendo que dentre eles, cerca de 85% dos procedimentos (31,2 milhões) foram sessões de psicoterapia e terapia ocupacional, que avançaram 33% desde 2019, conforme dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Voltando aos EUA, diversas métricas confirmam que a saúde mental está piorando: As taxas de suicídio aumentaram cerca de 30% desde 2000; quase um terço dos adultos dos EUA atualmente relata sintomas de depressão ou ansiedade, cerca de três vezes mais do que em 2019, e cerca de um em cada 25 adultos tem uma doença mental grave como transtorno bipolar ou esquizofrenia.Por fim, no final de 2022, apenas 31% dos adultos norte-americanos consideravam sua saúde mental excelente, contra 43% duas décadas antes.
Segundo o Dr. Robert Trestman, presidente do Conselho de Sistemas e Financiamento da Saúde da American Psychiatric Association (APA) – Associação Americana de Psiquiatria – diversos fatores contribuem para isso, alguns positivos e outros negativos. De positivo, temos que mais pessoas passaram a se sentir confortáveis em procurar atendimento. De negativo – continua ele – temos que mais pessoas passaram a lutar em meio a rupturas sociais como a pandemia e a Grande Recessão, aumentando a demanda em um sistema já enfraquecido, de forma que nem todos conseguem obter o apoio que desejam ou precisam.
Alguns especialistas, no entanto, acreditam que a questão vai além do acesso inadequado.
Para eles, não é que a demanda esteja superando a oferta. A realidade é que esta oferta nunca foi muito boa, apoiando-se em terapias e medicamentos que apenas alcançam a superfície de um vasto oceano de necessidades.
II- A SUBJETIVIDADE DA PSIQUIATRIA
A psiquiatria não tem métricas simples e diretas, embora não por falta de tentativa. Inúmeros projetos de pesquisa do NIMH (Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA) procuraram encontrar fundamentos genéticos ou biológicos da doença mental, sem grande retorno.
O que a psiquiatria tem é a sua Bíblia, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
O DSM estabelece critérios diagnósticos para condições de saúde mental em grande parte com base nos sintomas: como eles se parecem, quanto tempo duram, quão perturbadores eles são. Em relação a outras áreas médicas, essa é uma abordagem bastante subjetiva. Cabe essencialmente a cada clínico decidir, com base no que observa e seu paciente lhe diz, se os sintomas cruzaram a linha do normal para o transtorno – e esse processo está ocorrendo cada vez mais frequentemente durante consultas breves em aplicativos de terapia on line, onde as coisas podem facilmente passar despercebidas.
III- UMA ERA DE DIAGNÓSTICOS EQUIVOCADOS E SOBREDIAGNÓSTICOS
O Dr. Paul Minot, psiquiatra em atividade há quase quatro décadas, não permite que este exercício profissional o impeça de criticar a profissão, reputando-a incapaz de lidar com a “ambiguidade” da saúde mental, apresentando diagnósticos como certos quando, na verdade, há uma área cinzenta. De fato, pesquisas sugerem que tanto o diagnóstico equivocado quanto o sobrediagnóstico são comuns na psiquiatria. Um estudo de 2019 chegou a concluir que os critérios dos diagnósticos psiquiátricos são ” sem sentido científico” devido às suas métricas inconsistentes, sintomas sobrepostos e escopo limitado. Essa é uma conclusão preocupante, porque o diagnóstico determina em grande parte o tratamento.
IV- OS ANTIDEPRESSIVOS
Esse sistema de diagnóstico imperfeito pode ajudar a explicar por que, embora os antidepressivos sejam uma das classes de medicamentos mais prescritos nos EUA, eles nem sempre produzem ótimos resultados para as pessoas que os tomam.
É o caso de Joseph Mancuso, um DJ e produtor musical texano de 35 anos no Texas que ao longo dos anos, recebeu uma série de diagnósticos, incluindo depressão e transtorno bipolar, que, segundo ele, nunca lhe pareceram muito precisos, até que mais recentemente, foi diagnosticado com o que lhe pareceu correto: transtorno de estresse pós-traumático complexo. Esses diagnósticos levaram a inúmeras prescrições, algumas o ajudaram e muitas outras não. Mas sua conclusão vai ao encontro da percepção de muitas mães TRIMS como eu: “Eu sentia às vezes que eu era apenas um dardo e eles estavam apenas jogando dardos e vendo o que iria grudar“, diz ele.
Você ou seu filho já teve esta vivência??
Enfim, alguns tratamentos parecem não colar independente de o paciente estar ou não devidamente diagnosticado.
Em relação ao tema, vale a pena ainda frisar que, em um artigo de revisão de 2019, os pesquisadores reanalisaram dados usados para avaliar a eficácia de tratamentos de saúde mental supostamente apoiados por pesquisas. Alguns métodos – como a terapia de exposição, por meio da qual pessoas com fobias são sistematicamente expostas a seus gatilhos até serem insensíveis a eles – se saíram bem. Mas metade das terapias não tinha evidências confiáveis para apoiá-las, descobriram os autores.
V- AS TERAPIAS SÃO EFICAZES?
Até mesmo estilos de terapia dotados de evidências sólidas podem variar em eficácia, dependendo do clínico no comando. Um dos melhores preditores de sucesso na terapia, mostrou a pesquisa, é a relação entre paciente e profissional – o que pode explicar por que ela pode parecer ruim, de um lado resultando em algumas pessoas saindo de suas sessões se sentindo iluminadas e empoderadas, enquanto outras se sentem da mesma forma como quando entraram.
O último cenário foi o vivido por um paciente de nome Shorty com trinta e poucos anos que falou que algumas pessoas poderiam até realmente se beneficiar da terapia, mas o que lhe irritava era que a prática às vezes era vista como uma solução automática para os problemas do cotidiano, quando até piadas e dados científicos sugerem que ela não funciona para todos.
A APA diz que cerca de 75% das pessoas que tentam psicoterapia veem algum benefício com isso – mas nem todos o fazem, e uma pequena parcela pode até experimentar efeitos negativos, sugerem estudos. Aqueles que melhoram podem precisar de 20 sessões antes de ter um avanço.
Certamente há pessoas que relatam que seus sintomas melhoram ou desaparecem depois de tomar um antidepressivo, e pesquisas sugerem que eles são particularmente eficazes para pessoas com depressão grave. Pessoas com ansiedade e outras condições também podem se beneficiar de seu uso, de acordo com a Biblioteca Nacional de Medicina. Mas os dados sobre antidepressivos não são tão sólidos quanto se poderia esperar para uma das classes de medicamentos mais usadas no mercado.
VI- OS ANTIDEPRESSIVOS FUNCIONAM? O QUE DIZEM OS ESTUDOS CIENTÍFICOS MAIS RECENTES?
No início dos anos 2000, o NIMH realizou um grande ensaio clínico em várias etapas destinado a comparar diferentes antidepressivos frente a frente, na esperança de determinar se alguns funcionavam melhor do que outros em geral ou em grupos específicos de pacientes. Em vez disso, diz Insel (co-fundador de uma startup focada em cuidados comportamentais com base na comunidade), “o que achamos foi a evidência de que, na verdade, nenhum deles é muito bom. Foi realmente impressionante o desempenho ruim de todos os antidepressivos em toda a população.” A maioria das pessoas teve que experimentar várias drogas, ou tomar várias ao mesmo tempo, para entrar em remissão, e cerca de 30% das pessoas no ensaio nunca viram alívio completo. Muitas pessoas também desistiram antes do fim do estudo.
Nos anos seguintes, outros estudos igualmente chegaram a achados modestos sobre antidepressivos. Uma meta-análise de 2018 com dados de 522 ensaios descobriu que todos os 21 medicamentos analisados funcionaram melhor do que os placebos – mas seus benefícios foram “principalmente modestos”. Uma revisão de 2019 foi além, concluindo que os efeitos dos antidepressivos são “mínimos e possivelmente sem qualquer importância para o paciente médio com transtorno depressivo maior”.
A Dra. Joanna Moncrieff – membro fundador da Critical Psychiatry Network, um grupo para psiquiatras céticos em relação ao sistema de saúde mental, acredita que isso ocorre porque alguns antidepressivos não funcionam da maneira como são anunciados. Durante décadas, os pesquisadores teorizaram que a depressão decorreria de uma escassez de neurotransmissores reguladores do humor, particularmente serotonina, no cérebro. Antidepressivos de sucesso como o Prozac, que chegou ao mercado dos EUA na década de 1980, são destinados a aumentar esses níveis de serotonina.
Mas a pesquisa de Moncrieff, assim como o trabalho de outros cientistas, sugere que a depressão não é causada por baixos níveis de serotonina, pelo menos não totalmente. E se a serotonina não é o principal problema, diz Moncrieff, tomar esses medicamentos “não está corrigindo um desequilíbrio químico. Está criando um desequilíbrio químico.”
VII- MEDICAR-SE OU TENTAR RESOLVER OS PROBLEMAS DA VIDA
Então, por que algumas pessoas se sentem melhor depois de tomar antidepressivos? Eles claramente têm algum efeito no cérebro, potencialmente melhorando o humor.
Apesar disso, a Dra. Joanna Moncrieff não está convencida de que eles estejam realmente tratando a causa raiz da depressão. Para isso, ela acredita, os médicos precisariam ajudar as pessoas a resolver problemas em suas vidas, em vez de simplesmente prescrever uma pílula.
“Muitas pessoas discordariam disso”, admite Moncrieff. Porém estudos, incluindo a revisão de pesquisa de 2019 sobre tratamentos psiquiátricos, mostram que a “terapia de resolução de problemas“, uma modalidade que ensina as pessoas a gerenciar estressores, pode funcionar.
Essa também é a abordagem adotada por Minot, que acredita que a psiquiatria é muito rápida para rotular sentimentos como tristeza e preocupação como sintomas, em vez de ajudar as pessoas a entender de onde vêm, o que significam e como superá-los e até mesmo crescer a partir deles. Em alguns casos, diz ele, sentir-se mal pode motivar as pessoas a mudar hábitos, escolhas ou relacionamentos problemáticos.
VIII – TRISTEZA X DEPRESSÃO
Nem todos estão convencidos desse argumento. A tristeza pode fazer parte da vida, mas Insel afirma que a depressão é um monstro totalmente diferente da depressão, que pode se manifestar mais como um sentir-se “morto” e pode não ter uma ligação clara com o que está acontecendo na vida de alguém. “As pessoas que pensam que isso está apenas no continuum da experiência humana… nunca conheceu ninguém que estivesse realmente deprimido“, diz.
Minot concorda que a depressão grave, bem como doenças mentais graves como esquizofrenia e transtorno bipolar, podem exigir tratamento farmacêutico. No geral, porém, ele sente que a psiquiatria se apoia em medicamentos para não ter que fazer o trabalho mais difícil de ajudar as pessoas a entender e corrigir circunstâncias de vida, hábitos e comportamentos que contribuem para seus problemas.” Se você pode vender Band-Aids às pessoas”, pergunta Minot, “por que se preocupar em curá-las?”
O fato é que um medicamento pode ajudar com os sintomas, mas não consegue superar os fatos básicos da vida de alguém, esteja ele encarcerado, passando por um divórcio, sofrendo bullying na escola, lidando com a discriminação ou lutando contra a solidão.
A confirmar esta conclusão, temos uma frase apontada por Mancuso, o DJ apontado anteriormente, do filósofo Jiddu Krishnamurti que bem ilustra a dicotomia entre as dificuldades da vida e o que seriam sintomas da depressão: “Não é medida de saúde estar bem ajustado a uma sociedade profundamente doente”.
VIII- É POSSÍVEL MELHORAR A SAÚDE MENTAL, DE FORMA ESCALÁVEL?
Melhorar a saúde mental em escala, concorda Insel, requer que o sistema olhe além do sofá do terapeuta. Soluções aparentemente não médicas – como melhorar o acesso a moradia, educação e treinamento profissional a preços acessíveis, construir espaços comunitários e programas de apoio entre pares; e aumentar a disponibilidade de alimentos frescos e espaços verdes – podem ter efeitos profundos no bem-estar, assim como ferramentas simples como mindfulness e movimento.
Para enfrentar o problema do aumento das taxas de doenças mentais, Insel defende que o sistema precisa se concentrar em investir nos lugares certos. A terapia on line cresceu enormemente desde a pandemia, o que é importante, mas tem limitações. Muitos de seus aplicativos atendem à demanda esperando que os médicos assumam uma enorme quantidade de consultas curtas, segundo o relatório anterior da TIME, o que torna difícil para os responsáveis médicos diagnosticar com precisão; estabelecer um relacionamento com os pacientes e ainda fornecer cuidados holísticos.
Além disso, não está claro se os serviços online atendem adequadamente as pessoas “no fundo do poço”, diz Insel.
Pacientes com diagnósticos psiquiátricos graves muitas vezes precisam de atendimento especializado que não pode ser efetivamente oferecido por meio de um aplicativo de mercado de massa, e podem não ter recursos para acessar esses serviços de qualquer maneira. O cuidado físico e comunitário ainda desempenha um papel importante para pessoas com doenças mentais graves, diz Insel.
Focar na qualidade, e não apenas na quantidade do atendimento também é importante, diz Trestman. Na medida em que as pessoas que recebem cuidados de saúde mental são acompanhadas, essas métricas geralmente se concentram no processo – quanto tempo elas foram vistas, se agendam consultas de acompanhamento – em vez de se averiguar se sua condição está melhorando, diz Trestman. Pesquisas sugerem
Em sua própria clínica, Trestman pede aos pacientes que definam suas prioridades e o que o tratamento bem-sucedido significa para eles. Esses dados podem não ser tão objetivos quanto um exame de sangue, mas eles constroem parte da confiabilidade que este psiquiatra sente que muitas vezes falta nas terapias.
IX- ANSEIOS DOS PACIENTES E SUAS FAMÍLIAS:
Enfim, pacientes como Mancuso estão famintos por uma abordagem que vá além – uma que reconheça a influência do mundo além da porta de seu terapeuta e se concentre não na medicação, mas na melhoria e compreensão do mundo real.
Essa aliás é uma expectativa não só dele, mas de milhões de outros pacientes e suas famílias.
X- CONCLUSÃO:
Em síntese, esse novo tipo de cuidado infelizmente nem sempre é o padrão de um sistema com fins lucrativos que luta para atender à demanda. Mas este paciente acima citado traz uma conclusão bem simples na sua fala, que pode ser importante para nos fazer questionar enquanto familiares e mesmo aos profissionais de saúde mental que passam pelas nossas vidas, o seguinte:
“Tive uma educação difícil. Tive muita gente se aproveitando de mim. Sofri muito bullying na escola”, diz Mancuso. “Eu precisava de mais do que comprimidos. Eu precisava de orientação.”
Fonte: Tradução livre (por parte de uma mãe testemunha constante do que é crise de saúde mental) do artigo da Revista Time “America Has Reached Peak Therapy. Why Is Our Mental Health Getting Worse? “de 28/08/2023